Procuradoras do Estado projetam ações contra machismo institucional
Combater o machismo no setor privado e Administração Pública para evitar todas as formas de agressão no cotidiano: este é o mote da campanha Menos Rótulos, Mais Respeito. A iniciativa partiu de um grupo de procuradoras do Estado de Goiás, decididas a não aceitar mais episódios de discriminação envolvendo gênero.
O projeto evidencia a disparidade entre mulheres e homens nos três poderes.
Segundo projeção realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2017, a população brasileira já é formada majoritariamente por mulheres (50,64%). Contudo, conforme dados divulgados pela União Interparlamentar, relativos a dezembro de 2016, de um total de 193 países, o Brasil ocupa apenas a 155ª posição no ranking de representação feminina no Poder Legislativo, correspondente a apenas 9,9% na Câmara dos Deputados e 16% no Senado Federal.
De acordo com a classificação, o Brasil está atrás até mesmo de países como Iraque, Tunísia e Arábia Saudita. “Nos últimos cinco anos, o Brasil vem progressivamente amargando a perda de posições no ranking. A socióloga Fátima Pacheco Jordão, diretora do Instituto Patrícia Galvão e integrante da Articulação de Mulheres Brasileiras, afirma que, no atual ritmo, a paridade entre homens e mulheres no Legislativo somente seria alcançada em mais de 150 anos. É uma realidade lamentável”, acusa a procuradora do Estado de Goiás Fabiana Bastos.
Ela acrescenta que esta disparidade não se limita ao Legislativo: “No Judiciário, apesar de na primeira instância haver maior participação feminina, em virtude do ingresso por meio de concurso público, a situação na segunda instância e nas cortes superiores é alarmante”. Fabiana Bastos aponta que no Supremo Tribunal Federal (STF), dos onze ministros, apenas duas são mulheres. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), há a presença de apenas seis mulheres dentre os 33 ministros. No Estado de Goiás, da mesma forma, as mulheres representam apenas 19,44% da segunda instância do Poder Judiciário.
No Poder Executivo, a mesma realidade prevalece. “Em mais de 120 anos de República, o País teve somente uma mulher eleita para a presidência. Dentre todos os ministérios e órgãos federais elevados ao mesmo status, apenas cerca de 7% são titularizados por mulheres. Nas eleições de 2014, uma única mulher foi eleita como governadora. Atualmente, no Executivo goiano, aproximadamente 10% do primeiro escalão é ocupado por mulheres. Quanto às municipalidades, no ano de 2016, as prefeitas eleitas representaram apenas 11,57% do total, percentual ainda menor que em 2012”, analisa Bastos, baseada em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
De outro lado, em pesquisa relativa a servidores públicos ocupantes de cargos de Direção e Assessoramento Superior (DAS) na Administração Pública federal, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) verificou outra desproporção. Conforme aumenta o DAS, diminui a participação de mulheres em sua ocupação, chegando ao percentual de, nos anos de 2010 e 2011, apenas 23% de mulheres ocupando os cargos mais altos (DAS6).
Fabiana Bastos também destaca que a violência contra as mulheres foi outro fator que motivou as procuradoras do Estado a idealizarem a campanha. “Fomos surpreendidas, por exemplo, pela informação de que muitas pessoas, até mesmo com formação jurídica, desconhecem o fato de que não apenas a violência física, mas também a psicológica, a sexual, a patrimonial e a moral são formas de violência doméstica e familiar contra a mulher previstas na Lei Maria da Penha”, explica.
Ela acrescenta que, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o quinto país com maior índice de feminicídios. Entre os anos de 2003 a 2013, por exemplo, o número de homicídios de mulheres negras cresceu expressivos 54%. Apesar de inexistirem dados exatos sobre a violência contra as mulheres no Estado de Goiás, Alexânia, cidade goiana, é o segundo município brasileiro com o maior índice de feminicídios nos anos de 2009 a 2013, conforme o Mapa da Violência.
“A partir destas análises, decidimos buscar estratégias para sensibilizar não apenas nosso ambiente de trabalho, mas toda sociedade sobre a discriminação envolvendo gênero. Neste contexto, nasceu a campanha Menos Rótulos, Mais Respeito. Sonhamos, assim, que o Brasil passe a figurar, juntamente com Islândia, Noruega, Suécia e Finlândia, dentre os países em que as mulheres têm melhores chances de igualdade de tratamento no trabalho”, pontua Bastos.
Números refletem na rotina
Para a procuradora do Estado de Goiás Poliana Julião, em razão dessas disparidades, as mulheres são muito rotuladas no ambiente de trabalho e na sociedade. “Se é bonita, desconfiam da sua inteligência e capacidade. Se está com sobrepeso, chamam de gorda para ofender. Se é assertiva e defende seus pontos de vista, é mandona e briguenta. Se está de mau humor, como qualquer um poderia estar, ironizam insinuando tensão pré-menstrual. Poderia passar horas relatando experiências pessoais vividas ao longo de 13 anos de carreira”, salienta.
Ela acrescenta: “Por mais qualificada e competente que seja, precisa empenhar esforço extraordinário para demonstrar o acerto de seus posicionamentos, a menos que seja ratificada por um homem”. Antes de ingressar na Procuradoria Geral do Estado de Goiás, Poliana Juliãofoi promotora do Ministério Público do Estado do Tocantins. Lá, já era alvo de provocações durante sessões de julgamento, sempre com intuito de tentar desconstruir sua competência, por ser mulher, de desempenhar um bom trabalho no Tribunal do Júri, com argumento falho e recorrente de que seria ambiente mais adequado aos homens.
Diante desta perspectiva, ao falarem abertamente entre si, essas mulheres perceberam a necessidade de se unirem para combaterem a discriminação de gênero também no ambiente institucional. A procuradora Carla von Bentzen conta que alguns comentários soam como elogio, quando, na verdade, não são. “Já escutei de outro advogado, amigo de trabalho, que só tive tal recurso provido porque fiz sustentação oral e o desembargador me achou bonita”, relata.
Carla comenta, ainda, que já foi acusada de abandonar as duas filhas para assumir um cargo de chefia. “Como se eu não tivesse direito a querer um maior destaque na minha carreira e ser mãe ao mesmo tempo”, desabafa. Para ela, é preciso que campanhas como essa sejam constantes para que o mundo evolua e a conscientização chegue ao ponto em que as mulheres não sejam mais julgadas pelo gênero, e sim pela competência.
Segundo a procuradora do Estado Patrícia Junker, o que mais a marcou na concepção da campanha foi a proposta de discutir onde o machismo se esconde. “Eu penso que ele se manifesta em todos nós: homens e mulheres. Fazemos parte de uma estrutura em que condicionamentos sociais são impostos e acabam levando para uma sobreposição do homem em relação à mulher como algo que deveria ser aceito naturalmente”, avalia.
Importância social
Embora a iniciativa seja feminina, procuradores estaduais também manifestam apoio ao projeto. Para o presidente da Associação dos Procuradores do Estado de Goiás (Apeg), Tomaz Aquino, a campanha vem em boa hora. “A repetição de práticas equivocadas, por séculos, faz parecerem normais as atitudes desrespeitosas em razão do gênero. É nesse aspecto – o de nos lembrar sempre o quão prejudicial podem ser essas práticas equivocadas – é que está a utilidade da iniciativa”, destaca.
Por esta razão, de acordo com a procuradora Ariana Vieira, a campanha se destina à conscientização de mulheres e homens acerca desses comportamentos e conceitos. “Almejamos a desconstrução de todas as formas de diminuição da mulher, as quais ainda são reproduzidas, consciente e inconscientemente, em menor ou maior escala, e passam de geração em geração, perpetuando a dominação simbólica do machismo. Enfim, buscamos a efetividade do direito à igualdade e à liberdade das mulheres”, explica.
Bárbara Gigonzac, também procuradora do Estado e integrante do grupo organizador da campanha, analisa que essa constante divulgação do direito das mulheres ainda é a maior arma contra o machismo. “Cultura esta que mata, violenta e oprime as mulheres e está em absolutamente todas as esferas da nossa sociedade, podendo ser vista em todas as suas superfícies”, arremata.
As idealizadoras da campanha Menos Rótulos, Mais Respeito buscam o apoio do STF, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), de empresas, meios de comunicação e demais agentes públicos e privados que atuam por uma sociedade sem preconceitos.
Elas já têm a adesão da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (Anape), da Apeg, da Procuradoria-Geral do Estado de Goiás (PGE-GO), da Seção de Goiás da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO), do desembargador do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) Luiz Cláudio Veiga Braga, do presidente da Caixa de Assistência dos Advogados de Goiás (Casag), Rodolfo Otávio Mota, da superintendente executiva da Mulher e Igualdade Racial da Secretaria Estadual da Mulher, do Desenvolvimento Social, da Igualdade Racial, dos Direitos Humanos e do Trabalho, Gláucia Teodoro, da secretária de Políticas para as Mulheres de Goiânia, Célia Valadão, da RR Publicidade, do SET – Sindicato das Empresas de Transporte Urbano Coletivo de Passageiros de Goiânia, do Laboratório Núcleo e do Insitituto Rizzo. (Geovana Nascimento e Vinícius Braga)